Autor: Josiane Romera –
Não é de hoje que o Harlem, bairro bem ao norte da ilha de Manhattan, em Nova York, chama a atenção do mundo. Se, nas décadas de 1920 e 1930, o gosto da fama foi experimentado com o movimento cultural Harlem Renaissance (que projetou a comunidade negra do lugar nas searas intelectual e artística, imortalizando, por exemplo, os jazzistas Duke Ellington e Count Basie), hoje a região brilha sob o signo da renovação.
Como resultado de uma política revitalizadora iniciada nos anos de 1990, a vizinhança transborda novidades. E isso vai da abertura de galerias de arte, museus, restaurantes e bares de jazz e gospel à repintura das antigas e típicas town houses (casas verticais). Sem contar o boom na construção de prédios de apartamentos – mais baratos do que os do “miolo” de Manhattan e com serviços especiais como o de porteiro, difícil de encontrar na Big Apple.
Boas-novas que melhoraram o dia a dia dos moradores, diminuíram a violência no bairro e voltaram a atrair a visita de nova-iorquinos de outras partes da cidade e turistas, que poderão conhecer os endereços badalados do momento e ainda curtir a diversidade cultural e arquitetônica que só o Harlem tem.
Tudo muito diferente do período pós-Segunda Guerra Mundial, quando a pobreza dos moradores, a falta de emprego e a discriminação contra os negros – população que fez o Harlem continuamente manter a referência de “bairro negro de Manhattan” – culminaram numa ferrenha luta por igualdade racial. Nesse cenário, passear pela área era considerado perigoso, algo a ser evitado por forasteiros e mesmo por new yorkers.
Arte e cor em todo lugar
Colocar a arte nas ruas é um dos planos da prefeitura para revitalizar o Harlem. Um bom exemplo do projeto está na Frederick Douglass Avenue, que marca a entrada para o bairro, que começa no finzinho do Central Park West, na 110th Street. Isso mesmo, a região é vizinha de uma parte mais distante do icônico parque nova-iorquino.
Ali, uma estátua do escritor e líder abolucionista negro Frederick Douglass (1818-1895), inaugurada em 2011, olha para o norte da avenida como quem, orgulhoso, apresenta o Harlem ao público. Em 2008, outra estátua já havia sido colocada na intersecção dessa via com a St. Nicholas Avenue e a 122th Street, homenageando uma mulher que também lutou pelo fim da escravidão nos Estados Unidos, Harriet Tubman (1820-1913).
Por todo o West Harlem (ou Central Harlem), área mais famosa da região devido à concentração de lugares relacionados à história e à cultura afro-americanas, pode-se apreciar murais pintados por artistas locais. Um dos mais famosos, How do I See Myself (como eu me vejo), criado pelo artista Sergio Alexis Perez e um grupo de jovens da comunidade, fica na Adam Clayton Powell Jr. State Building Plaza com a 125th Street. Ali também está uma belíssima estátua de bronze do tal Adam Clayton, primeiro afrodescendente do bairro eleito para o Congresso, em 1945.
Até mesmo o Harlem Hospital foi brindado com a ideia. Num recém-inaugurado pavilhão, um painel digital gigante enfeita a fachada. O hospital ainda abriu uma espécie de galeria de arte, onde estão expostos murais restaurados.
Os novos ares do pedaço também são sentidos por conta do surgimento de muitos estabelecimentos comerciais. Na Frederick Douglass Avenue – aquela que exibe as estátuas de personalidades negras –, entre as ruas 110 e 125, são tantos restaurantes e bares que a área ganhou o apelido de restaurant row, algo como fila de restaurantes.
O cruzamento da 125th Street com a Lenox, por exemplo, atrai multidões em função do tradicional Sylvia’s, que serve soul food (pratos originários da culinária do sul dos EUA), e do novo e já disputado Red Rooster, do famoso chef Marcus Samuelsson. No subsolo da casa, o Jinny’s Club propõe mergulhar no jazz ou no gospel.
Uma igreja por esquina
Não é de estranhar que uma balada toque música gospel: o Harlem tem 338 igrejas, das quais cerca de 60 apresentam um culto gospel, em que os devotos cantam e dançam fervorosamente. A mais conhecida é a Abyssinian Baptist, que todos os domingos reúne uma extensa fila de pessoas à espera de conseguir entrar para assistir à cerimônia e ouvir o famoso coro da igreja.
Outro negócio que vai de vento em popa no Harlem é o mercado imobiliário. Os novos prédios vêm atraindo gente de outros cantos de Manhattan, que mal acreditava ser possível pagar menos de US$ 3 mil de aluguel por um apartamento de um quarto. Comprar uma town house de três andares ainda custa menos de US$ 1,5 milhão, uma “pechincha” para os proibitivos padrões imobiliários de Manhattan. E uma linha de hotéis chiquérrimos, o W, do grupo Starwood, abriu o primeiro hotel no coração do Harlem, o A Loft.
No lado oeste do bairro, a Columbia University e a igreja The Cathedral Church of St. John the Divine delimitam o bairro na parte chamada Morningside Heights. Vale muito a pena caminhar por ali, já que as duas construções são magníficas, assim como também o é a City College of New York, na 138th Street com a Covent Avenue, que segue a mesma arquitetura neogótica da St. John the Divine.
Perto daí fica Sugar Hill, porção do Harlem que viveu seu auge no fim dos anos de 1920, quando negros ricos moravam ali e centenas de brancos subiam as ladeiras para ouvir jazz no icônico Cotton Club.
Do jazz para a salsa
Ainda sem data para ser inaugurado, o Museum for African Art vai ocupar quatro andares de um prédio de luxo na esquina da Quinta Avenida com a 110th Street. É ali também que fica o Duke Ellington Circle, mais uma estátua dedicada a uma grande figura negra (no caso, o mítico músico e compositor de jazz Duke Ellington) e que marca a entrada de East Harlem.
Ainda que por ali se consiga encontrar um e outro local onde imperam o jazz e a comida cajum – dois traços do sul dos Estados Unidos, de onde vieram boa parte dos negros que se instalaram no Harlem –, é a influência latina que predomina em East Harlem, conhecido como Spanish Harlem ou simplesmente El Barrio.
Nesse pedaço, o domínio é da língua espanhola – presente nos letreiros e na fachada de prédios coloridos – e do descontraído jeito de ser latino, que transborda nos imigrantes vindos de ilhas caribenhas, principalmente Porto Rico. Nos fins de semana, é comum ver carros estacionados com a porta aberta e a música ecoando, enquanto a uma curta distância amigos arriscam passos de salsa.
Assim como o gosto musical, a comida muda radicalmente: arroz, feijão, carne e banana são ingredientes bastante usados e entram nas receitas de restaurantes como o La Fonda Boricua, que oferece pratos da culinária porto-riquenha e muita salsa. Mais requintado, o Ricardo Steakhouse é famoso pelos cortes e preparo das carnes.
Esse trecho foi retirado da revista Viaje Mais, seção Estados Unidos, edição 141.