Abrolhos, o santuário marinho na Bahia

Abrolhos é a entrada para outro mundo, um mundo dividido em duas partes bem distintas. Uma delas está sobre a terra, na superfície de suas cinco ilhotas que surgem em meio às águas quentes do sul da Bahia, a 70 km da costa. Essa pequena porção de terra, desenhada por pedras e vegetação de gramíneas, é dominada pelas aves marinhas, como o atobá, o trinca-réis, a grazina e a fragata. Os pássaros fazem tantos ninhos sobre o solo pedregoso que é preciso ter cuidado para não pisar neles ao caminhar. A outra parte desse “universo paralelo”, e que guarda o verdadeiro tesouro natural de Abrolhos, fica embaixo d’água. Cinturões de corais raros e exuberantes circundam as ilhas e formam uma espécie de jardim submerso onde vivem peixes aos milhares, crustáceos, moluscos e muitas tartarugas. O fundo do mar desse curioso arquipélago baiano é considerado um dos melhores lugares do planeta para o mergulho.


Essas águas ainda têm o privilégio de receber todos os anos a visita das baleias jubarte, que chegam até a 15 metros de comprimento e podem pesar cerca de 40 toneladas. Centenas delas saem das águas da Antártica para reproduzir e procriar entre os meses de julho e novembro. Abrolhos é uma espécie de berçário natural para as grandes baleias.

Ilha da Siriba, única onde é permitido o desembarque – Fotos: Tales Azzi


Estudos apontam que o arquipélago foi formado há 50 milhões de anos, quando um vulcão submerso cuspiu lavas e fez surgir suas cinco ilhas que formam um pequeno círculo em meio ao Atlântico. Elas seriam o que restou da borda da cratera desse vulcão.


Já o nome vem do além-mar. No passado, a região era um terror para os navegadores, muitas vezes pegos de surpresa pela bancada rasa de corais. O navegador Américo Vespúcio, na segunda expedição portuguesa ao Brasil, em 1503, fez a primeira menção ao arquipélago ao registrar em seu diário de bordo: “Quando se aproximares da terra, abre os olhos…”. Daí Abrolhos em leitura de caprichado sotaque lusitano.


Até a década de 1970, ninguém ia até lá, com exceção de alguns militares e pescadores. Transformado em Parque Nacional Marinho em 1983, o arquipélago aos poucos confirmou sua verdadeira vocação: o turismo.
Para visitar o lugar é simples. Basta chegar em Caravelas ou Alcobaça, as duas cidades litorâneas mais próximas do arquipélago, e garantir lugar nos catamarãs (como os da empresa Horizonte Aberto), que partem logo cedo pela manhã e retornam no final do dia. É um pouco cansativo por conta do tempo de navegação: 5 horas ida e volta. Em compensação, se viajar entre julho e novembro, a chance de encontrar as baleias no caminho para Abrolhos é quase certa. Desde que a pesca desses animais foi proibida no Brasil em 1986, a população de jubartes vem aumentando. Estima-se que cerca de 70 mil baleias visitam o litoral da Bahia a cada ano, segundo dados do Instituto Baleia Jubarte.


Os encontros com esses grandes mamíferos são sempre emocionantes. Geralmente, um tripulante grita a senha: “baleia a vista!”. O barco então reduz a velocidade e os passageiros se juntam no convés com as câmeras preparadas e clima de suspense. De repente, a jubarte aparece. Às vezes em grupo, com filhotes. Outras vezes apenas com o rabo para fora. Ou até dando saltos, projetando quase todo o corpo para fora da água. Você pode ter visto um espetáculo de baleias em qualquer parque aquático da Flórida, mas ver uma cena dessas na imensidão selvagem do mar não é a mesma coisa. É possível observar os animais a uma distância respeitável (afinal, elas estão acasalando ou amamentando), mas nem precisa de binóculo.

Catamarãs saem das cidades de Caravelas e Alcobaça e a viagem leva 2h30 até Abrolhos – Fotos: Tales Azzi
No caminho é bem fácil encontrar as jubartes, que aparecem entre julho e outubro – Fotos: Tales Azzi


Já no arquipélago os barcos permanecem ancorados por algumas horas. É o tempo de nadar em águas cristalinas, almoçar e desembarcar na Ilha da Siriba, que é tomada por atobás. O chão é forrado de ninhos e os visitantes só podem caminhar por uma trilha demarcada. Os pássaros, porém, nem se incomodam com a presença das pessoas e até fazem pose para as fotos. Monitores do ICMbio recepcionam os visitantes e passam informações sobre a fauna e a flora locais. Também é possível desembarcar na Ilha de Santa Bárbara, mas apenas com autorização prévia da Marinha, que mantém um antigo farol construído em 1861 (peça na agência para solicitar o desembarque em Santa Bárbara).

Desembarque na Ilha da Siriba, que é tomada de ninhos de aves marinhas – Fotos: Tales Azzi
Farol na Ilha de Santa Bárbara, onde há uma base da marinha – Fotos: Tales Azzi


Como não existe hospedagem em Abrolhos, a única forma de pernoitar por lá é a bordo de embarcações que oferecem cabines, como o Andarilho, catamarã da empresa Horizonte Aberto, que tem capacidade para até 35 passageiros. Essa modalidade de passeio, chamada de live abording, é a opção dos mergulhadores, já que os barcos contam com todo o equipamento necessário para a prática da atividade. As diárias incluem todas as refeições e dois mergulhos por dia. Mas mesmo quem nunca vestiu uma máscara de mergulho pode ter a experiência de fazer um passeio subaquático fazendo um curso rápido com batismo, no qual a pessoa submerge segurada o tempo todo pelo instrutor. Ou então praticar snorkeling em diversos pontos próximos aos costões das ilhas, para ver peixes coloridos, ouriços, corais e tartarugas.

Agências de mergulho, como a Horizonte Aberto, oferecem viagens de live abording com pernoite nas embarcações – Fotos: Tales Azzi
Nos passeios bate-e-volta é possível nadar e caminhar na Ilha da Siriba – Fotos: Tales Azzi


Pelo isolamento e geografia inóspita, Abrolhos não é um destino de praia como outro qualquer. Até mesmo porque lá não tem praia, a costa das ilhas são rochosas. Abrolhos é um lugar para quem busca uma experiência mais intensa com o mar, mergulhar e viver a emoção do encontro com as grandes jubartes em ambiente natural.

Por Tales Azzi, texto e fotos