Jalapão com o Korubo: diário de bordo de uma expedição

Se você gosta de natureza e tem algum espírito aventureiro correndo nas veias vai adorar as expedições do Korubo pelo Jalapão. É a maneira mais criativa para explorar essa imensa reserva natural, feita de chapadões, cachoeiras, matas de cerrado e nascentes de águas cristalinas, no norte do Tocantins. Elas consistem, basicamente, em perambular pela região a bordo de um ônibus-caminhão 4×4, hospedando-se em um acampamento inspirado nos safári camps africanos, em um local isolado à beira de um lindo rio. As viagens têm duração de 6 ou 7 dias e os pacotes incluem tudo: traslados, pernoites, passeios e refeições.

O esquema é bem prático e funciona muito bem, especialmente em um local imenso e inóspito como é o Jalapão, onde as péssimas estradas de terra e as grandes distâncias dificultam viagens por conta própria. Nessas expedições tudo fica mais fácil e, uma vez a bordo do caminhão, você não precisa se preocupar com mais nada, além de curtir a paisagem e a fantástica experiência que tem sabor de aventura, mas realizada com conforto e segurança. Eu embarquei em uma expedição Korubo de 7 dias e confesso que voltei encantado. A seguir eu conto como foi o dia-a-dia dessa viagem muito especial por um dos lugares mais bonitos e menos explorados do Brasil.

Rumo ao Jalapão

Às 7h30 da manhã o ônibus já está encostado na porta do hotel, em Palmas (TO), para buscar o grupo de passageiros e seguir rumo ao Jalapão. A primeira parte do trajeto são 170 km por estrada asfaltada até Ponte Alta do Tocantins, onde o ônibus é substituído pelo caminhão 4×4 do Korubo, adaptado para as expedições do Jalapão. Sua carroceria ganhou bancos reclináveis de ônibus, janelas amplas e um segundo piso sobre a boleia com meia dúzia de assentos para oferecer uma vista mais alta da paisagem. O veículo tem tração nas quatro rodas e utiliza pneus especiais para rodar em terrenos acidentados. Não existe buraco ou atoleiro que o caminhão Korubo não encare.

Na saída da cidade, mando um tchauzinho para os moradores que sentam à porta das casas e aproveito também para me despedir de e-mails, internet e sinal de telefone celular. Dali em diante, durante uma semana, só cachoeiras, mergulhos em nascentes, caminhadas no cerrado e noites estreladas.

Poucos minutos após deixar Ponte Alta do Tocantins (TO), o caminhão já está rodando pela estrada de terra avermelhada. Da janela, vejo a amplidão, com os chapadões no horizonte e o cerrado à perder de vista com suas árvores de galhos retorcidos.

Uma hora após deixar Ponte Alta do Tocantins, surge o primeiro atrativo, o Cânion do Sussuapara. Nem é preciso caminhar muito. Ao lado do estacionamento, começa a escadaria que leva ao interior do cânion, uma fenda em uma rocha de 15 metros de altura, por onde corre um riacho de água cristalina. Das paredes rochosas em constante gotejamento penduram-se cipós e, no vértice no cânion, há uma pequena cascata. É um passeio rápido, mas rende um bom descanso em meio a viagem. Dali em diante, são mais três horas até o acampamento. No total, são 300 km desde Palmas (TO), metade do caminho por estrada de terra. A chegada acontece no meio da tarde.

Cânion do Sussuapara – Foto: Tales Azzi

O safari camp Korubo

O camping do Korubo está em um local bastante isolado, à beira do Rio Novo, que tem águas límpidas e corta à planície coberta pelo cerrado. Lá estão 17 tendas à sombra das árvores, montadas sobre deques de madeira. Elas não oferecem luxo, o conforto é espartano. São apenas duas camas de solteiro em cada tenda e, ao fundo, um espaço de madeira, onde fica o banheiro (lavabo e privada) e uma estante para acomodar as roupas. Não há TV, nem frigobar. Os chuveiros ficam em uma casa de banhos, que lembra o vestiário de um clube. A água é aquecida por painéis solares, os mesmos que fazem funcionar a luz tênue dos spots de led no teto das tendas.

O restaurante, por sua vez, fica instalado em um barracão com piso de areia, cobertura de palha e paredes teladas para evitar a entrada de mosquitos e manter o ambiente arejado. A mesa de refeição é uma só, comprida e compartilhada.

Por volta das 18h, já devidamente instalado na tenda número 7, com as roupas ajeitadas na estante, escuto o som das batidas de um sino. É sinal de que o jantar está servido. A comida é caseira e muito saborosa, em esquema de bufê. O cardápio é simples, mas tudo é muito gostoso. E sempre há algum prato típico da região, como o arroz Maria Izabel (com carne seca). O suco natural é gratuito, mas as bebidas alcoólicas e refrigerantes são cobrados à parte. Os preços são amigáveis: R$ 20 a caipirinha, 10 a cerveja lata e R$ 100 a garrafa de vinho (chileno).

Nessa primeira noite, os cozinheiros preparam um aperitivo de boas-vindas com petiscos (salame e queijos) e uma generosa jarra de caipirinha. É uma ótima idéia para relaxar depois da longa viagem e, de quebra, ajudar na interação entre os hóspedes. O papo rola fácil e em pouco tempo todos já parecem velhos amigos. Afinal, as pessoas que encaram uma viagem dessas costumam ter certa compatibilidade, a começar pelo prazer de estar junto à natureza.

Após o jantar, a escuridão toma conta do camp. Acendo a lanterna (fornecida pelos guias para cada um dos hóspedes) e volto para minha tenda de número 7. A noite está fresca e o único som que escuto vem das cigarras e do chiado das águas no rio ao lado.

Roda de fogueira sob o céu estrelado – Foto: Tales Azzi

Passeio de caiaque no Rio Novo

Às 6h da manhã, desperto com a luz do dia, que invade a tenda sem qualquer cerimônia. Levanto e vou até a prainha na beira do rio para curtir a paisagem do amanhecer. Mas não consigo ficar nem cinco minutos ali pois sou atacado pelos mosquitos em esquadrões sanguinários. Eles são ferozes nesse horário, e também ao entardecer, especialmente na beira da água. Pouco depois, o cozinheiro bate o sino para avisar que o café da manhã está à mesa: tapioca, frutas frescas, ovos mexidos, pães de queijo, cuz-cuz, sucos naturais…

Pela manhã, o passeio é de caiaque no rio. Mas nem é preciso esforço para remar, pois a correnteza suave trata de impulsionar as embarcações. Outros preferem ficar na prainha e apenas curtir um banho de rio. Fico com essa segunda opção e entro na água para um mergulho. Não é todo dia que se pode nadar em um rio de águas tão límpidas assim.

Passeio de caiaque no Rio Novo – Foto: Tales Azzi
Banho de rio na prainha do acampamento – Foto: Tales Azzi

Após o almoço, bate a preguiça. O sol estoura e o calor fica infernal. A tenda vira uma sauna nas horas centrais do dia e a alternativa é seguir para o redário, que fica em outro barracão telado com cobertura de palha. É o local mais fresco do camp.

No final da tarde, o motor do caminhão Korubo é ligado para um passeio às Dunas do Jalapão, um conjunto de morros de areia formado pela erosão das falésias avermelhadas da Serra do Espírito Santo. São 25 km desde o camp até lá seguindo pela estrada-símbolo do Jalapão, a TO-255, tendo o Morro do Saco-Trapo no horizonte.

A visita às dunas acontece sempre aos finais de tarde, quando o calor ameniza e dá para ver o pôr do sol no alto do morro de areia. É linda a vista das dunas diante do chapadão e da planície recoberta pelo cerradão. Um riacho corre em zigue-zague bem ao lado das dunas com buritis em suas margens, formando uma espécie de oásis. Na época das chuvas, lagoas são formadas nas partes mais baixas das dunas e há muitas flores de sempre-vivas que brotam no areial.

Pôr do sol nas Dunas do Jalapão – Foto: Tales Azzi
Mata de buritis e Serra do Espírito Santo avistados das dunas – Foto: Tales Azzi

Dunas do Jalapão e Fervedouro do Ceiça

“Bom dia, Barraca 7”, diz o guia passando em frente a minha tenda às 6h da manhã do dia seguinte. É assim o despertar no camp. E não dá para enrolar na cama pois às 7h está marcado a saída para o passeio ao Fervedouro do Ceiça, a mais antiga e famosa nascente aberta para o turismo no Jalapão. Levantar tão cedo tem uma justificativa: são 3 horas de viagem até o atrativo, que fica a cerca de 75 km de distância.

Essa é uma questão de qualquer viagem ao Jalapão. Por ser imenso, as distâncias para os atrativos são sempre longas e é preciso chacoalhar um bocado rodando pelas estradas de terra da região. Em compensação, a paisagem do caminho é sempre belíssima, cruzando o cerrado e as veredas de buritis, que fica ainda mais bonita avistada do segundo piso do caminhão, que serve de mirante para admirar o cenário.

Ao chegar no Fervedouro do Ceiça, porém, ninguém mais se lembra do longo caminho até lá. A nascente de águas azuis e transparentes, cheia de peixinhos, forma um poço redondo onde pendem as folhas das bananeiras ao redor. A parte mais central do poço parece estar em ebulição (daí o nome “fervedouro”). Na realidade, é a ressurgência da água que emerge do lençol freático com pressão pelo fundo de areia. O fluxo de água é tanto que impede o corpo de afundar.

O Fervedouro do Ceiça é o mais famoso e visitado do Jalapão, que, atualmente, conta com cerca de uma dúzia de outras nascentes abertas para o turismo. Mas a maioria delas sofreu interferências humanas, foram escavadas para aumentar o tamanho do olho d’água. O Ceiça é o único que preserva o cenário original.

Para evitar superlotação, somente seis pessoas podem entrar na água de cada vez e por apenas 15 minutos. Em períodos de feriadão, a fila de espera pode chegar até duas horas. Mas quem vai não se arrepende, afinal, o Fervedouro do Ceiça é realmente um lugar encantador.

Fervedouro do Ceiça: águas cristalinas na nascente mais visitada do Jalapão – Fotos: Tales Azzi

O mesmo controle de visitação já não acontece na Cachoeira do Formiga, que fica lá perto, e é o destino do passeio da tarde. A cachoeira forma uma piscina natural com água tão cristalina que da superfície já é possível enxergar as pedras do fundo. Faz lembrar os rios de Bonito. É bom levar máscara de mergulho ou óculos de natação para fazer uma miniflutuação. A vantagem extra da Cachoeira do Formiga é que a água não é gelada e o mergulho ali é uma benção no tórrido calor tocantinense. O acesso à cachoeira é facilitado por uma passarela de madeira, que começa ao lado do estacionamento, onde há bares e restaurantes.

Cachoeira do Formiga – Foto: Tales Azzi

O Korubo oferece outra vantagem para seus hóspedes nesse dia de passeio: um fervedouro exclusivo, que fica a duas horas do camp. Não é tão bonito quanto o Ceiça, mas é privativo e, justamente por isso, não tem limite de tempo para banho ou necessidade de espera em fila. O poço é grande, tem diversos pontos de ressurgência e uma bonita vegetação ao redor. É o último atrativo do dia a ser visitado e rende muitas fotos do grupo.

A Serra do Espírito Santo

Como em todo bom destino de ecoturismo, o Jalapão também tem suas trilhas, como a que leva ao topo da Serra do Espírito Santo, o chapadão em formato de mesa com 35 km de comprimento que é onipresente na paisagem. A trilha, que segue pela encosta do morro, é íngreme e exige um pouco de esforço, mas há um corrimão feito de cordas que ajuda na subida, além de bancos para quem quiser descansar as pernas e dar um respiro antes de continuar.

Trilha na subida da Serra do Espírito Santo – Foto: Tales Azzi

No final da subida, há um primeiro mirante. Essa parte mais alta da Serra do Espírito Santo é um grande platô, plano feito mesa de bilhar, coberto por uma vegetação baixa. A trilha segue por mais 3 km até um segundo mirante na borda do penhasco, de onde se avista uma linda sequência de paredões e, lá embaixo em meio à planície, as Dunas do Jalapão. O trajeto total tem 8 km e leva cerca de 4 horas para ir e voltar, contando com as diversas paradas.

Vista de drone dos paredões da Serra do Espírito Santo – Foto: Tales Azzi

O passeio para a Serra do Espírito Santo acontece de manhã cedo. A saída é às 5h30 e o início da caminhada começa por volta das 7h. Não é fácil levantar tão cedo, mas o clima mais ameno da manhã favorece a caminhada. Por volta do meio dia, o grupo já está de volta ao camp para um banho de rio e um almoço.

A Cachoeira da Velha e a Prainha do Rio Novo

O retorno para Palmas (TO) acontece no quinto dia da viagem, que reserva mais tempo em deslocamento. São cerca de 9 horas de viagem a bordo do caminhão, intercalado com uma parada para conhecer uma das principais atrações do Jalapão, a Cachoeira da Velha.

A grande cachoeira, formada por um degrau de 15 metros de altura onde desabam as águas do Rio Novo, tem cem metros de extensão e um curioso formato de coração. Não é possível tomar banho por conta do imenso volume de água, mas dá para contemplar a cachoeira a partir de um mirante de madeira.

Cachoeira da Velha, no Rio Novo – Foto: Tales Azzi

O passeio segue rio abaixo, onde está a Prainha do Rio Novo, um banco de areia que forma uma praia fluvial perfeita para tomar sol e nadar. A água é morna e o visual do rio cercado pela mata nativa encanta. Sento na areia e fico um tempo observando os casais de araras e tucanos que passam a todo momento. O grupo se junta para uma foto final e, em seguida, dou um último mergulho para me despedir do Jalapão.

A Prainha do Rio Novo – Foto: Tales Azzi

O almoço é servido na varanda de uma casa que fica próxima à entrada da Cachoeira da Velha. E o lugar tem uma curiosa história. Ela pertenceu ao colombiano Pablo Escobar, líder do Cartel de Medellín, que a utilizou como laboratório de refino de cocaína, fechado pela Polícia Federal em 1988. Hoje, abandonada, a casa pertence a Naturatins, órgão governamental que administra o Parque Estadual do Jalapão.

Após o almoço, é hora de voltar para Palmas (TO) e encerrar a expedição. A essa altura, todos já viraram bons amigos e a chegada na capital é celebrada com um brinde na piscina do hotel, abraços e muitas promessas de reencontros.

A expedição Korubo no Jalapão não é uma viagem como outra qualquer. O isolamento, os cenários selvagens, além do esquema original do acampamento, tornam a experiência única e especial. Não há nada parecido no Brasil. A viagem tem sabor de aventura, mas é segura e muito prática, já que traslados, hospedagem, passeios e refeições estão incluídos no valor do pacote.

É verdade que o longo tempo de sacolejo a bordo do caminhão pode ser cansativo para pessoas muito idosas ou crianças pequenas. Também não é recomendável para quem tem certas frescuras, como fazer xixi no mato. Como não existem postos de gasolina nas estradas do Jalapão, durante os deslocamentos, o banheiro, muitas vezes, é o mato mesmo. Isso explica os lenços umedecidos e os sacos de lixo do kit que os guias entregam no começo da viagem.

É preciso sacolejar um bocado para vencer as estradas esburacadas e conhecer os atrativos do Jalapão – Foto: Tales Azzi

Em compensação, uma vez a bordo do caminhão Korubo, você não precisa se preocupar com mais nada além de curtir as paisagens, nadar em rios, ter boas conversas, admirar o céu estrelado e se fartar com as deliciosas refeições preparadas pelos cozinheiros do acampamento. O valor da viagem não é lá uma pechincha, mas o questão do valor depende do que você recebe em troca. Acredito que o preço é bastante razoável se levar em conta tudo o que está incluído no pacote e a linda experiência que se pode vivenciar nessa viagem.

Serviço:

Há duas opções de pacotes do Korubo: com 6 ou 7 dias de duração. O mais curto não inclui a trilha para a Serra do Espírito Santo. Ambos têm duas noites em Palmas (na chegada e no retorno). Valores a partir de R$ 4.280 por pessoa, não incluso as passagens aéreas para Palmas (TO). Existe também a possibilidade de incluir um dia para a extensão “Serras Gerais” e conhecer a Lagoa do Japonês e a Pedra Furada.

Mais informações em www.korubo.com.br e (11) 98222-5028.

O Rio Novo e imensidão de cerrado do Jalapão – Foto: Tales Azzi

Por Tales Azzi, texto e fotos