Pouco lembrada em roteiros de brasileiros que viajam pela Europa, a Bélgica pode ser uma agradável surpresa para quem se programar para descobri-la. Integrante dos Países Baixos, ao lado da Holanda e Luxemburgo, tem um território pequeno (com área próxima à do Estado de Sergipe), cortado por muitos canais e rios. O que pouca gente sabe é que o país foi o primeiro da Europa continental a ter uma ferrovia durante a Revolução Industrial do século 19. Assim, fazer um roteiro de trem pelas principais cidades é a forma mais eficiente de conhecer a Bélgica.
A primeira ferrovia ligava inicialmente Bruxelas, a capital, a Mechelen, na parte norte. Hoje, a malha ferroviária se estende por todas as regiões e também se conecta com os países fronteiriços (França, Alemanha, Holanda e Luxemburgo). O passeio deve começar por Bruxelas e seguir por Antuérpia, Gent, Bruges, Waterloo, Liège e Durbuy. Entre uma cidade e outra, haverá mudanças na língua local, já que o país tem dois idiomas oficiais: francês e flamengo – muito parecido com o holandês.
Em uma semana é possível conhecer todas essas cidades e ter uma boa amostra da cultura belga, que, entre outras coisas, foi a criadora da batata frita, do waffle e da fórmula contemporânea do chocolate; de algumas das melhores cervejas do mundo; e de Tintim e dos Smurfs. Foi por lá também que Napoleão perdeu a famosa Batalha de Waterloo – que muitos pensam ficar na Inglaterra.
A praça de Bruxelas
Bruxelas começou com um mercado, no século 11. O lugar ficou bastante conhecido e, logo, casas foram pipocando nas redondezas. Foi a construção da prefeitura, no entanto, que estabeleceu aquele ponto como o centro do que viria a se tornar a capital belga.
Na época que o prédio foi erguido, entre 1401 e 1455, já não era mais um mercado, e sim uma praça. Por isso, o local ficou conhecido como Grand Place (Grande Praça, em francês). Mas em flamengo o nome ainda é Grote Markt (Grande Mercado).
Quando finalizado, o prédio da prefeitura tinha uma coluna que se estendia por 96 metros de altura, com o adicional de três da estátua do arcanjo Miguel (Saint Michel), padroeiro da cidade, exterminando um monstro. Em 1695, a França voltou seus canhões contra a Bélgica. Embora eles tenham destruído toda a praça, que seria reconstruída nos anos posteriores, a torre permaneceu intacta – por ironia, o alvo principal era justamente ela.
Bem antes disso, em 1504, o Duque de Brabant, dono das terras da região, viu a prefeitura pronta e quis demonstrar seu poder. Ergueu em frente ao prédio um outro, que chamou de Maison du Roi (Casa do Rei), embora nunca tenha servido para isso – hoje é sede do Museu da Cidade de Bruxelas.
Por essas duas construções, a Grand Place é um lugar essencial para ser visitado. É o ponto turístico mais famoso do país, e não apenas pela prefeitura e pela Maison du Roi: os prédios que circulam a praça são uma mistura de gótico, barroco e neoclássico. O cenário é tão surpreendente que, em 1998, foi tombado como Patrimônio Mundial da Unesco. A cada dois anos, no mês de agosto, é montado por dois dias na praça um tapete de flores, numa área de 1.800 m². O próximo está marcado para agosto de 2014, entre os dias 15 e 17.
Fritas com waffle
Uma vez na Grand Place, não esqueça de provar um waffle. Em vários pontos da praça ou das ruas que dela saem, há lugares que o vendem por cerca de € 3. O waffle foi inventado por um dos cozinheiros do príncipe de Liège, no século 18, que tentava fazer um brioche com açúcar perlé (conhecido pela alta pureza). Quando viu o resultado da receita, que não se parecia com um brioche, mostrou ao príncipe, que, após provar, consolidou a receita como parte da tradição e cultura local.
Seguindo por uma das ruas da praça, Rue au Beurre, você dá de cara com a Bolsa de Valores belga, a Bourse. É um costume típico sentar nas escadarias e comer um pacote de batatas fritas (vendidas nas redondezas, em vários lugares, por preços na faixa de € 4), outra criação belga, dessa vez por camponeses, no século 17.
Naquela época, era comum fritar peixes pequenos e, quando o inverno chegava e os rios ficavam congelados, substituí-los por batata – o french de french fries, na língua inglesa, vem do verbo to french, que significa cortar em palitos.
Ao redor da Grand Place também está o chafariz Mannekin Pis, mascote da cidade. A estátua de bronze com 30 cm de altura, de um menino fazendo xixi (sai água, no caso), tem várias histórias que explicam sua origem, e nenhuma delas é confirmada. A mais contada é que, durante uma guerra, um garoto encontrou uma bomba prestes a explodir e, para evitar a destruição, urinou no pavio já aceso, salvando a pátria.
Outra versão conta que o filho do rei sumiu, e ele determinou por decreto que uma estátua seria feita do príncipe na posição que fosse encontrado. Uma terceira diz que o menino teria feito xixi para afrontar os inimigos (sempre os franceses) e, por isso, foi considerado um herói nacional.
Seja qual for a verdadeira, a estátua é muito popular. E a cada data comemorativa ou visita de chefe de Estado, o menino recebe uma roupa nova, colocada temporariamente. No prédio da prefeitura, há uma exposição permanente com todo o acervo de roupas. A tarifa para ver essa ou outras exposições no prédio é de € 4.
A Igreja Saint-Michel, perto da Grand Place, também vale a visita. Erguida em 1047, tem 114 metros de altura e arquitetura gótica (o estilo apareceu na renovação pela qual passou no século 13). Uma vez dentro, é possível visitar as ruínas da primeira construção, do século 11, descendo um andar. Mesmo para quem não é religioso, a arte do templo impressiona.
Resultado de uma série de prédios que formam um “c”, o Cinquantenaire, também na região central, foi erguido em 1880 em comemoração aos 50 anos de independência – a construção só foi finalizada em 1905, quando o país completou 75 anos independente, mas os belgas relevaram o fato e decidiram manter o nome original.
Hoje, esses prédios mantêm espaços culturais, entre eles, o Museu Real, o Museu de Arte Contemporânea, o Autoworld (de carros antigos de várias partes do mundo) e Grande Mosteiro de Bruxelas, atualmente sede de um núcleo islâmico no país, usado como escola e centro de pesquisas.
Outra atração das redondezas é o Palácio Real, já que a Bélgica é uma monarquia parlamentarista. As visitas são gratuitas (e não há guiadas). Há duas exposições em cartaz em 2013: Face to Face, que traz retratos de culturas do mundo inteiro como forma de mostrar as diferenças; e Des casse-têtes: le cerveau à l’éprouve (Quebra-cabeças: o cérebro em teste), com um caráter mais científico e atividades interativas que ensinam conceitos de ciência e tecnologia.
O rei belga Albert II não mora no Palácio Real, e sim no Castelo Real de Laecken, fora de Bruxelas (não acessível ao público). Porém, o Palácio Real é onde ele despacha e os chefes de estado são hospedados quando visitam o país. O Palácio da Nação, logo em frente, é a sede do parlamento belga.
O incrível Atomium
Um pouco mais afastado do centro há o Atomium, construído para a Exposição Mundial de 1958. Trata-se da representação o cristal de ferro ampliada 165 bilhões de vezes. Dentro da arrojada construção são mantidas em algumas das “bolas” exposições referentes à arquitetura e design – confira a programação de mostras no site atomium.be.
Perto do Atomium ainda há o Planetário de Bruxelas e a Mini Europa – esta atração reproduz todos os grandes monumentos da Europa em miniatura (não tão pequenas; pois algumas têm mais de dois metros de altura). A entrada para o Atomium custa € 16 (que inclui a visita ao ADAM – Brussels Design Museum, a 150 m do Atomium) e para a Mini Europa € 16,50 – mas é possível comprar um pacote com os dois ingressos por € 29 (valores referentes ao ingresso adulto).
Bruxelas oferece ainda outros pontos turísticos. Os mais interessantes da jornada são o Jardim Botânico, o Museu do Chocolate e a Basílica do Sagrado Coração (a quinta maior do mundo). Acesse o site visitbrussels.be para ter mais informações de passeios.
Diamantes na Antuérpia
Para começar o roteiro de trem a partir de Bruxelas, vá até a Gare Centrale (Estação Central). A companhia mais recomendável é a NMBS/SNCB (belgianrail.be), que atende todas as principais cidades do país. As passagens podem ser compradas na hora ou com antecedência máxima de um mês. De Bruxelas para Antuérpia, primeira etapa da jornada, o preço é € 7,10. A viagem dura 70 minutos.
Localizada no norte, portanto uma cidade da Flândria, a Antuérpia (Anvers, em francês) recebe os visitantes em grande estilo já na sua estação de trem graças à beleza da construção. É a segunda maior cidade da Bélgica e a capital mundial de lapidação e distribuição de diamantes – 85% dos diamantes brutos passam por lá.
Por isso, não deixe de visitar o Museu do Diamante, conhecido pela alta concentração de lojas da pedra mais valiosa do planeta. No museu, são três andares que abordam todos os aspectos do diamante: desde a forma como é criado na natureza até o processo de produção comercial, o impacto político e social e o resultado final. A entrada custa € 6.
Caminhar pela Praça Principal, no coração da cidade, e admirar o prédio da Câmara Municipal, construído em estilo ítalo-flamengo, é outro passeio clássico na cidade. Próximo dali, há o museu dedicado ao pintor barroco alemão Peter Paul Rubens (1577-1640), que viveu na cidade os últimos 24 anos de vida. O museu funciona na casa onde ele morou, cujos ambientes do século 17 foram recriados. Pinturas de outros mestres barrocos também estão na coleção (a entrada custa € 8).
Vale ainda conhecer o zoológico local, que desde 2003 tem um projeto ambiental de preservação do mico-leão-dourado brasileiro. O zoo tem ainda tours guiados: sete opções diferentes, com duração de duas horas, entre eles, os animais da arca de Noé, os animais ferozes e o backstage do zoológico. A entrada custa € 22,50 e, para visitas guiadas, € 50 (zooantwerpen.be).
Antuérpia também é conhecida por ter o segundo maior porto da Europa, desde a fundação, há mil anos (quando a cidade era um marco fronteiriço do Sacro Império Romano-Germânico). Perde apenas para o porto de Roterdã, Holanda. Se você se interessa pelo tema, há visitas guiadas (visitantwerpen.be).
Tecidos em Gent
De Antuérpia, o próximo destino é Gent, famosa pela produção e comércio de tecidos (em alta até o século 19). O bilhete de trem custa € 9,20, e o trajeto tem duração de uma hora. Hoje, Gent é mais conhecida pelo número de atrações turísticas, embora a cidade ainda tenha uma grande concentração de lojas de tecidos e de decoração.
A primeira dica é o Castelo Gravensteen, erguido em 1180, de onde é possível ver a cidade toda. Você pode fazer uma visita guiada pelo interior do castelo por € 8 e encontrar, dependendo da sorte e do dia, um ator vestido de cavaleiro medieval circulando por lá.
Na Catedral Saint Bavin, além de admirar a arquitetura, é possível apreciar o famoso quadro Adoração do Cordeiro Místico, dos irmãos Hubert e Jan Van Eyck, importantes pintores flamingos. O topo da torre da catedral promete uma vista linda para os corajosos que escalarem os 444 degraus.
Vale conhecer também a Torre do Sino, com 91 metros de altura, e cujo sino principal, conhecido como Roland, se tornou um símbolo de protesto contra autoridades. Esse tipo de torre era comum em cidades medievais, foi criada no século 14 para servir de vigia e alerta contra invasões.
O Museu de Arqueologia Industrial e Têxtil, saudosista dos tempos de quando a cidade mantinha um lucrativo comércio de tecidos, oferece um panorama dessa indústria nos últimos 250 anos (a entrada custa € 5).
Por fim, o Porto de Graslei, cortado por um canal, é o local mais charmoso na cidade, com muitos prédios históricos, lojas e restaurantes. Vale a pena caminhar por lá e curtir o panorama.
Chocolates em Bruges
De Gent a Bruges, próxima parada, a viagem de trem dura duas horas e custa € 6,30. Considerada a Veneza belga, Bruges é caracterizada por muitos canais e casas espremidas em construções únicas.
Foi fundada no século 9 por vikings, que a usavam como centro comercial devido ao porto que tinha acesso ao Mar do Norte – a cidade era conectada ao porto por um grande canal chamado Zwin.
Com o tempo, o uso do canal ficou estagnado e Bruges perdeu a relevância comercial por séculos, até ser descoberta como ponto turístico no século 20.
Se ocorrer de você estar por lá em um domingo, vá ao mercado de pulgas da cidade, que vende desde artigos de cozinha até vestimentas militares e monociclos – muita coisa a preço de banana. Vale mais pelo passeio divertido do que pela compra em si.
Como na maioria das cidades belgas, o ponto turístico mais famoso é a Praça Principal, onde prédios góticos dão um ar medieval ao lugar. Contudo, o maior charme da cidade são os canais. Portanto, fazer um passeio de barco por eles (€ 7,60) é imprescindível. Além disso, como a cidade é uma referência mundial em chocolate, não esqueça de dar uma passada em uma das cerca de 50 lojas que vendem a guloseima. A mais conceituada é a do confeiteiro especialista em chocolate Dominique Persoone (dominiquepersoone.be).
Também existe por lá uma Torre do Sino que, após a subida de 366 degraus, oferece uma vista completa da cidade. Os canais, a arquitetura medieval e as flores, que parecem estar em todos os cantos na primavera e no verão, conferem um ar de contos de fadas a Bruges – que pode ser realçado com um passeio de carruagem pelas ruas.
História em Waterloo
De Bruges a Waterloo, leva-se 1h30 de trem (€ 15,10). Waterloo fica na parte francesa da Bélgica e é imperdível para quem quer caminhar em um verdadeiro campo de batalhas. Toda a atração da cidade está nesse ponto turístico. Foi lá que, no dia 18 de junho de 1815, Napoleão foi derrotado por ingleses e prussianos, encerrando de vez sua história de liderança militar na França, sendo exilado na Ilha de Santa Helena, no Atlântico sul.
Pagando uma taxa de € 9, você poderá visitar o museu, que conta a história da batalha por meio de artigos e reproduções artísticas. Um painel de 110 metros de largura e 12 metros de altura (feito por Louis Dumoulin em 1912) reproduz o momento do conflito. Há ainda dois filmes para se ver e uma visita guiada ao campo.
A cada cinco anos, uma reconstituição da batalha é feita no campo, com a duração de duas horas e a participação de cerca de 300 atores. O próximo acontece no dia 18 de junho de 2015, ano que a batalha comemora dois séculos. Fora isso, a pequena cidade de Waterloo é charmosa e convidativa para um passeio a pé pelas ruas, com calma e sem rumo fixo.
Por: Gabrielle Winandy
Esse trecho foi retirado da revista Viaje Mais, seção Exótico, edição 142.