Rotas de bicicleta para viajar pelo Brasil

Pode ser nas montanhas ou à beira-mar; em estradinhas de terra, rodovias pavimentadas ou mesmo na areia da praia; em parques nacionais de natureza exuberante ou por vilarejos históricos cheios de charme… Seja qual for o roteiro, toda viagem de bicicleta tem uma peculiaridade em comum: o prazer do trajeto, que faz o destino final ser apenas um detalhe diante da liberdade de parar onde bem entender, seguir o próprio ritmo e apreciar cada paisagem do percurso.

Além de terminar onde as outras viagens começam, o cicloturismo é um meio mais interativo e sustentável de conhecer outros lugares – o combustível são as próprias pernas –, ajuda a manter a forma e está em alta, especialmente agora que muitos viajantes têm preferido roteiros ao ar livre, em contato com a natureza e em grupos restritos, bem longe de aglomerações.

Embora o cicloturismo no Brasil não tenha a mesma tradição nem infraestrutura igual à de outros países, sobretudo europeus, não faltam por aqui paisagens nem rotas cênicas para serem exploradas sobre duas rodas, seja em passeios de um dia ou em aventuras de uma semana, que desafiam o condicionamento físico. Pode-se, por exemplo, curtir as cidades históricas, cachoeiras e propriedades rurais da Estrada Real; mergulhar nas culturas italiana e alemã do Vale Europeu; pedalar pelas belas praias da Costa do Descobrimento; desbravar os maiores desfiladeiros da América Latina ou inebriar-se em um saboroso roteiro enogastronômico pelas mais famosas vinícolas do país. Basta preparar a “magrela”, as pernas e os pulmões, e escolher o circuito que mais combina com você.

VALE EUROPEU – Santa Catarina

A Cachoeira do Paulista, em Doutor Pedrinho, no Vale Europeu – Foto: Tales Azzi

De todos os estados brasileiros, Santa Catarina desponta entre os queridinhos dos cicloturistas. O motivo está na variedade e qualidade das rotas. Há opções para todos os níveis de preparo físico, seja na serra ou à beira-mar, e boa parte com excelente infraestrutura para bikes.

Se você gosta de pedalar por conta própria, sem o acompanhamento de um guia ou grupo, comece pelo Vale Europeu. Primeiro roteiro do País planejado para ser percorrido de bicicleta, o circuito, de aproximadamente 300 km, é circular: parte e termina em Timbó, passando pelas cidades de Pomerode, Indaial, Ascurra, Apiúna, Rodeio, Benedito Novo, Doutor Pedrinho e Rio dos Cedros.

Além de todo o percurso ser sinalizado com placas e setas amarelas em estradinhas tranquilas, os ciclistas podem retirar uma espécie de passaporte com mapas, planilhas de orientação e todas as informações necessárias à viagem, que geralmente dura uma semana. Assim como no famoso caminho de Santiago de Compostela, na Espanha, esse passaporte pode ser carimbado em hotéis e atrativos turísticos para comprovar a passagem do ciclista e garantir um certificado de conclusão do circuito no final da viagem.

Ponte Pênsil, em Indaial – Foto: Tales Azzi
A rota de bike pelo Vale Europeu é a mais estruturada do Brasil – Foto: Shuuterstock

Apesar desse incentivo, acredite: sua última preocupação será a chegada. Bom mesmo é curtir o trajeto, minuciosamente desenhado para contemplar os melhores pontos da região, farta em paisagens bucólicas adornadas por uma cachoeira aqui, um riacho ali e vilarejos do século 19 com charmosas casinhas de arquitetura colonial espalhadas por toda parte. Em tempo: como se trata de um dos lugares com maior concentração de nascentes do Brasil, evite a época de chuvas (fim da primavera e verão).

Casas em estilo enxaimel marcam todo o roteiro pelo Vale Europeu – Foto: Tales Azzi

Para completar, quando a fome aperta entre uma pedalada e outra, você descobre o maior legado herdado pelos descendentes de italianos e alemães no Vale Europeu: a gastronomia. Diversos restaurantes de comidas típicas repõem as energias com categoria. Em Benedito Novo, uma boa vinícola faz a festa dos apreciadores de vinhos. E mais de uma dezena de cervejarias artesanais seguem a Reinheitsgebot (Lei Alemã de Pureza), datada de 1516, que define os quatro ingredientes utilizados na produção: malte (de cevada ou trigo), fermento, lúpulo e água. Em algumas delas, dá até para conferir o processo de fabricação. Difícil será se equilibrar sobre duas rodas depois de degustar pilsens, bocks e outras variedades do precioso líquido.

Quem Leva: As empresas locais Seledon (www.seledon.com.br/turismo/produtos/cicloturismo) e Timbó Bike Center (www.timbobikecenter.com.br) são especializadas em cicloturismo na região.
Mais informações: www.circuitovaleeuropeu.com.br

DA SERRA AO MAR – Santa Catarina

Além do Vale Europeu, Santa Catarina possui vários roteiros aclamados entre ciclistas. Para quem está iniciando, o mais indicado é o Circuito das Araucárias, que passa por Campo Alegre, Corupá, Rio Negrinho e São Bento do Sul. Apesar de longo – são 287 km em estrada de terra –, o percurso é de fácil deslocamento e tem ótima infraestrutura, com várias cervejarias, restaurantes e, claro, florestas de araucárias. Vale deixar a bike de lado por cerca de quatro horas para trilhar a Rota das Cachoeiras a pé e conhecer a área de proteção ambiental dos Campos do Quiriri.

Outra opção é a Serra do Rio do Rastro, com a vista estonteante do Morro da Igreja, em Urubici, onde já foi registrada a temperatura mais baixa do Brasil, e a belíssima Serra do Corvo Branco. E, para quem prefere o litoral, tem a Rota das Baleias, que soma 60 praias – entre elas, as famosas do Rosa, Garopaba e Guarda do Embaú, além dos municípios litorâneos de Balneário Camboriú e Bombinhas.

A Estrada da Serra do Rio do Rastro, trecho mais emocionante da rota pela Serra Catarinense

ROTA DO DESCOBRIMENTO – Bahia

Praias desertas, vegetação exuberante, falésias gigantescas e trilhas em meio a coqueirais… Os mesmos cenários do sul baiano que encantaram a frota de Cabral mais de 500 anos atrás podem, hoje, ser redescobertos sobre duas rodas em um épico roteiro de 120 km que parte de Prado e vai até Arraial D’Ajuda, em Porto Seguro. Majoritariamente à beira-mar, o percurso contempla cantinhos tão belos quanto rústicos, onde o tempo parece não ter realmente passado, como Cumuruxatiba, Corumbau, Caraíva e Curuípe, além da badalada Trancoso e o seu “mágico” Quadrado.

Para desbravar toda a região, o ideal é entrar no ritmo baiano e pedalar sem pressa, permitindo-se parar onde bem entender para dar um mergulho, passear de barco, interagir com índios pataxó ou simplesmente tomar uma água de coco sentindo a brisa que vem do mar. Pela Sampa Bikers, por exemplo, o trajeto é cumprido em seis dias. Como a maior parte é feita pela praia, os horários variam conforme a tábua das marés, e a viagem deve ser realizada exclusivamente em bicicletas do tipo mountain bike ou fat bike.

O cicloturismo, aliás, é uma das formas mais sustentáveis, interativas e prazerosas de se desbravar a chamada Costa do Descobrimento. E roteiros não faltam para isso. Só a Bahia Active oferece 12 possibilidades pela região. As opções vão desde um simples passeio de 10 km pelo centro histórico de Porto Seguro até o exclusivo roteiro de seis dias entre Caraíva e Guaiú. São 170 km de pedal e outros 10 km de trekking passando pela espetacular Praia do Espelho, Trancoso, Arraial D’Ajuda, Porto Seguro e Santo André.

A maioria dos passeios é realizada pela praia e só acontece nos períodos de lua nova ou cheia, quando a maré está baixa. Inclui sempre bicicleta, capacete, seguro, lanche de trilha, água, isotônico, acompanhamento de guias especializados e retorno de carro quando especificado. Após a atividade, o cliente recebe um vídeo para manter os melhores momentos da jornada sempre vivos na lembrança.

A empresa Brasil Biking também oferece roteiros pela orla de Trancoso em bicicletas do modelo Specialized Fatboy, mais próprias para pedalar na areia. O chamado Mini Tour Beach Biking, de 26 km e duração de aproximadamente três horas, parte da Pousada Estrela D’Água – o horário de saída varia conforme a maré – e vai até o Vale dos Búfalos, em Itaquena, passando pelas praias dos Coqueiros, Rio Verde, Itapororoca, Patimirim e por uma área preservada com restinga e cajueiros enormes.

Como ninguém é de ferro, há parada para descanso à beira-mar durante a pedalada. Um carro de apoio se encarrega de oferecer banquinhos, petiscos e água de coco. E quem quiser se refrescar tomando um banho de mar nesse intervalo pode recorrer a um chuveirinho portátil para tirar a areia dos pés antes de voltar a calçar os tênis. Na volta à pousada, você ainda pode repor as energias saboreando um camarão empanado no coco ralado à beira da piscina ou simplesmente curtindo o bem-bom devidamente esparramado em uma rede.

Quem Leva: A viagem de seis dias pela Costa do Descobrimento é oferecida pela agência Sampa Bikers (www.sampabikers.com.br), incluindo transporte da bagagem e acomodação em quarto duplo com café da manhã. Já a Bahia Active (www.bahiaactive.com.br) tem um roteiro exclusivo que vai de Caraíva a Guaiú em seis dias, num total de 180 km. O passeio da Brasil Biking pelo litoral de Trancoso, com duração de três horas, pode ser agendado em contato@brasilbiking.com; ou pelos fones (73) 3668-1197 e (73) 99818-7750.

ESTRADA REAL – Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro

Com trechos em três estados brasileiros (Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro), os 1.630 km da Estrada Real são um prato cheio para quem gosta de desbravar o Brasil pedalando. Há trajetos de vários tamanhos e para todos os níveis de preparo físico, e os mais dispostos podem até encarar o percurso completo, de 710 km, do chamado Caminho Velho, que liga a mineira Ouro Preto a Paraty, no litoral fluminense. Usado antigamente para escoar as riquezas extraídas de Minas, esse roteiro mistura paisagens bucólicas e inúmeras cidades históricas, como Tiradentes, Mariana e São João Del Rei. Entre uma pedalada e outra, o ciclista tem a oportunidade de se refrescar com banhos de cachoeira, degustar queijos harmonizados com as melhores cachaças do país e repor as calorias saboreando as fartas especialidades da cozinha mineira.

O caminho mais procurado, no entanto, é o dos Diamantes, que segue 350 km mais ao norte mineiro, de Ouro Preto a Diamantina. Embora seja menos longa e cheia de sobes-e-desces, essa rota encanta pela quantidade de belas cachoeiras – como a do Tabuleiro, com seus impressionantes 273 metros de altura – e ainda permite um desvio pela Serra da Piedade, o Caminho de Sarabuçu, que tem 160 km e umas das subidas mais difíceis de todos os roteiros de cicloturismo do Brasil.

Ouro Preto, uma das grandes atrações da Estrada Real – Foto: Divulgação

Ambos os caminhos são realizados em estradinhas com baixo fluxo de carros (o que garante mais segurança aos ciclistas) e passam por diversos parques nacionais e estaduais, quedas d’água, sítios arqueológicos e opções de hospedagem para todos os bolsos.

Já quem prefere o Caminho Novo – que, apesar do nome, tem mais de três séculos de existência – percorrerá cerca de 500 km desde o Rio de Janeiro até o circuito histórico mineiro, passando pela região serrana de Petrópolis. As condições das rodovias, no entanto, não são tão favoráveis a ciclistas.

Seja qual for o percurso escolhido, vale baixar as planilhas e os descritivos dos trechos de navegação no site do Instituto Estrada Real (www.institutoestradareal.com.br) para poder se orientar com precisão durante a viagem.

E quem não tem disposição para passar dias pedalando pode optar por passeios curtos, de apenas algumas horas, por trechos específicos da Estrada Real. Os 30 km que vão de Cunha a Paraty, por exemplo, são praticamente só de descida. No caminho, Mata Atlântica, pequenos animais, uma infinidade de espécies de pássaros, belas praias – como a do Cachadaço, em Trindade – e muitas cachoeiras, com destaque para a do Escorrega, um tobogã natural que fica pouco antes da chegada ao centro de Paraty.

Paraty, o ponto final da Estrada Real, uma rota cheia de história – Foto: Shutterstock

Em Tiradentes, por sua vez, pode-se alugar uma bike com a Uai Trip (by Original) e percorrer a Estrada da Caixa d’Água ao longo da chamada Rota do Sabor. O percurso tradicional, de 18 km (ida e volta) – todo plano e em chão de terra –, passa por várias propriedades rurais que abrem suas portas para o visitante ver de perto como é preparada cada uma das delíciasmineiras e, de quebra, se deleitar com as histórias e o estilo de vida de quem vive na roça. Tem a cachaça do Juca do Lino, os bolos e biscoitos da Rosana, a linguiça artesanal da Adineia, a muçarela de nozinho da Rosileia, feita com o leite do próprio rebanho, e por aí vai.

Quem Leva: Em Tiradentes, a Uai Trip (by Original) alugabicicletas, com equipamento de segurança completo. Dá para fazer a trilha autoguiada, no seu tempo, ou pagar um extra pela companhia de um guia (nesse caso, o percurso de 18 km dura cerca de três horas). Reservas: www.uaitrip.com.br.

VALE DOS VINHEDOS – Rio Grande do Sul

Quando os primeiros imigrantes italianos chegaram ao Sul do Brasil, há quase 150 anos, logo perceberam que a combinação de clima ameno e relevo montanhoso, semelhante à de algumas cidades de sua terra natal, era perfeita para o cultivo de alguns tipos de uva que rendem bons vinhos. Não demorou muito para transformarem a região na principal área vinífera do país. Hoje, as mais famosas marcas nacionais de vinhos e espumantes estão ali – casos de Miolo, Casa Valduga, Salton e Chandon, entre tantas outras. Só o Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, abriga mais de 30 vinícolas, e boa parte delas pode ser visitada em roteiros de bike com duração de, aproximadamente, três dias. Ao longo da viagem, dá para conferir cada passo do processo de produção, degustar os principais rótulos na companhia de um enólogo e até participar da colheita e pisa da uva na época da vindima (entre janeiro e março, quando toda a região fica em festa).

Cave da vinícola Salton, em Bento Gonçalves – Foto: Tales Azzi

Um dos circuitos mais tradicionais é o Caminhos de Pedra, que contempla mais de 50 atrativos naturais e arquitetônicos, além de cantinas, ateliês, capelas, casas históricas e pequenas propriedades produtoras, como a Casa do Mate, uma fábrica de processamento artesanal de ervas onde os visitantes podem degustar um chimarrão.

A Auroraeco organiza roteiros de bike por essa região. São três dias de pedalada por estradas que alternam trechos pavimentados e outros de terra, em nível moderado, com algumas subidas, pelas cidades de Bento Gonçalves, Pinto Bandeira, Garibaldi e Monte Belo do Sul. Além de degustações em diversas vinícolas renomadas – Cave Geisse, Alma Única, Miolo e Casa Valduga são algumas delas –, a rota inclui visita à Casa do Mate, almoço na Osteria Della Colombina e uma parada na igreja Nossa Senhora das Neves, conhecida como a Igreja dos Vinhos.

Paisagens de parreirais ao longo da rota pelo Vale dos Vinhedos – Foto: Tales Azzi

É bem verdade que, após um dia intenso de degustações, equilibrar-se sobre duas rodas poderá não ser tarefa das mais fáceis, mas os trechos entre uma parada e outra, felizmente, são curtos. Também vale ressaltar que algumas safras são tão exclusivas que você só encontrará ali. Impossível não encerrar a viagem com algumas garrafas na bagagem.

Quem Leva: A Auroraeco tem roteiros de quatro dias pelo Vale dos Vinhedos com traslados, hospedagem nas pousadas Don Giovanni e Storia (da Casa Valduga) com café da manhã, todas as refeições previstas no roteiro, degustação de vinhos e espumantes nas vinícolas visitadas, alimentos e bebidas energéticas durante as atividades, veículo de apoio para as pedaladas, acompanhamento de guia ciclista e bicicleta modelo Mountain Bike Tito Edge, aro 29, com quadro de alumínio, suspensão dianteira e freios a disco hidráulico. Reservas: www.auroraeco.com.br; (11) 3086-1731 ou reservas@auroraeco.com.br.

APARADOS DA SERRA – Rio Grande do Sul

Canion do Itaimbezinho, no Parque Nacional de Aparados da Serra – Foto: Tales Azzi

A menos de 200 km do Vale dos Vinhedos, pela Rodovia Rota do Sol, chega-se a outro destino excelente para cicloturistas: a região dos parques nacionais de Aparados da Serra e da Serra Geral. É lá que ficam os cânions Itaimbezinho e Fortaleza (o maior da América Latina). Eles despontam imponentes em meio a um cenário único, adornado por florestas de araucária, Mata Atlântica, pampas, cachoeiras e rios cristalinos. Para desbravar os principais cartões-postais da região, a Pisa Trekking (www.pisa.tur.br) oferece roteiros de cinco dias que combinam percursos a pé e de bicicleta até os pontos mais emblemáticos das duas reservas. A viagem inclui traslados, hospedagem em acomodação dupla com café da manhã, lanche de trilha, aluguel de mountain bike, equipamentos de segurança, guia, seguro-viagem e ingressos para os parques nacionais e para o Kridjijimbé (uma réplica artística do complexo de cânions dos dois parques nacionais).

Ciclistas na Cachoeira dos Venâncios, Rota de Aparados da Serra – Foto: Divulgação Pisa Trekking

Por Heloísa Cestari