Não importa o estado da madeira. Pode ser rachada, podre ou cheia de cupim. Jucimar Olímpia, o Seu Cimá, dá um jeito. Com paciência, na oficina do quintal de casa, ele lixa, remenda, pinta… E assim, um ou dois meses depois, o carpinteiro naval dá vida novamente às “canoas de um pau só”, embarcações tradicionais moldadas a partir de um único tronco de árvore, uma técnica indígena que atravessou séculos.


Essas canoas ainda navegam na costa de Bombinhas, no litoral norte catarinense, especialmente durante a pesca da tainha, que acontece entre maio e junho. O peixe (Mugil liza) realiza uma migração sazonal, saindo das lagoas e rios do sul do Brasil para desovar no mar. Com a chegada do frio, os cardumes seguem rumo ao norte, passando pelo litoral catarinense.
É nesse momento, quando os cardumes chegam bem próximos à beira-mar, que os pescadores aproveitam para capturá-las. As comunidades trabalham em equipes e se lançam rápido para o mar com as canoas para estender as redes quando um cardume é avistado. Olheiros ficam no alto dos morros e avisam por rádio quanto a sombra escura de um cardume se aproxima. É preciso ser rápido para mover as embarcações e montar o cerco na água. O esforço compensa. Uma única rede pode trazer toneladas de peixe. Os turistas assistem a tudo da praia e podem emprestar a força dos braços para ajudar a puxar as redes para a areia. Quem entra no jogo ganha o direito de levar 1 peixe para casa.



A pesca da tainha não é apenas uma atividade econômica. Antes de iniciar a temporada, os pescadores realizam bênçãos às redes e às embarcações, pedindo proteção e fartura. A religiosidade e a fé fazem parte desse processo, com celebrações como missas e procissões marítimas. A atividade movimenta comunidades pesqueiras, atrai turistas e fortalece a cultura local. A prática é um verdadeiro evento, passado de geração em geração, com técnicas artesanais e rituais que fazem parte da identidade catarinense.
Além disso, a chegada dos cardumes é comemorada com festas e mutirões, onde os moradores se reúnem para dividir o peixe e celebrar a abundância da pescaria. Muitos turistas visitam as praias para acompanhar os pescadores em ação, tornando a tradição um atrativo turístico e cultural. Tanto que a pesca da tainha em Santa Catarina foi considerada Patrimônio Cultural do Estado e, por lei, deve ser realizada de forma totalmente artesanal, o que garante a permanência das tradicionais “canoas de um pau só” e do ofício de Seu Cimá, o mais conhecido carpinteiro naval de Bombinhas.
Por Tales Azzi