Autor: Milton Faro –
Provavelmente seu primeiro contato com o charme, a serenidade e a elegância da mulher asiática venha a se dar muito longe das 63 ilhas do arquipélago de Cingapura. Talvez muito longe da própria Ásia. Longe e lá no alto. Algo em torno de 11 mil metros do solo. As aeromoças da Singapore Airlines, empresa de aviação dessa pequena cidade-Estado do Sudeste Asiático espalham charme entre 40 países e provocam tamanha comoção pelos céus desse mundão que chegaram a ganhar lugar de destaque no mais famoso museu de cera do mundo, o Madame Tussauds, em Londres.
Na ocasião, em 1993, quando a estátua da aeromoça Lim Suet Kwee foi instalada entre as figuras de personalidades como Bill Clinton e Saddam Hussein, a empresa via o reconhecimento pelo esforço que ainda mantém Cingapura sob os holofotes: o cuidado máximo com a imagem, que vai muito além da aparência impecável das funcionárias da companhia aérea.
O país de forma geral capricha no visual, num projeto evidenciado pela limpeza quase estéril das ruas, reforçado pela infinidade de jardins que enfeitam a cidade e reafirmado pelos prédios de ares futuristas. Estes se projetam ao longo do Rio Cingapura, lançando luzes multicoloridas sobre o espelho-d’água.
Se o tímido território de apenas 710 km² aos pés da Malásia não chama a atenção, Cingapura encontra outros recursos para se fazer notar e não se deixar esquecer, e nas aeronaves da Singapore Airlines tem-se uma prévia desse cuidado todo. A preocupação com a apresentação ali começa pelo traje: o uniforme das aeromoças é o sarong kebaya, a túnica de batik típica de Cingapura, mas uma versão ocidentalizada dela, assinada pelo estilista francês Pierre Balmain. O look irreprimível é complementado pela instrução sistemática: as garotas são treinadas à exaustão, gentis e sempre preocupadas com o atendimento dos passageiros.
É só descer do avião, seja da Singapore Airlines ou de tantas outras companhias que trazem visitantes à ilha, para compreender que a construção da imagem continua em terra firme.
Em 2003, o aeroporto de Changi, no qual se aterrissa, recebeu pela 16ª vez o prêmio de melhor aeroporto do mundo pela revista Business Traveller (que tem uma versão britânica e outra dedicada à Ásia e Pacífico). E ele continua encantando. Os postos de controle de passaporte ficam perto uns dos outros, passando a impressão de proximidade entre anfitriões e visitantes; e potinhos de balas são deixados ao alcance dos recém-chegados, uma boa maneira de dar as boas- vindas a quem acaba de passar horas enfurnado em um avião.
A boa primeira impressão segue sendo demontrada pelo visual da cidade. Limpeza ali é assunto sério. Quem cuspir, jogar lixo, urinar na rua, não der descarga em banheiro público ou vender chiclete paga multa ou vai preso. É isso mesmo: em Cingapura não existe chiclete, e, se você carregá-lo em quantidade, o produto pode ser confiscado. Se trouxer para consumo próprio, verá gente torcendo o nariz. A mais inocente goma de mascar serve, na opinião dos locais, somente para melecar o chão.
Ao cenário imaculadamente limpo somam-se extensas áreas verdes. Praticamente metade do modesto terreno do arquipélago é reservado a áreas de preservação ambiental, e os parques cobrem praticamente 10% do território. Mas engana-se quem concebe essa como uma bem comportada cidade de interior limpinha e organizada. Basta uma caminhada até a beirada do Rio Cingapura para se desfazer dessa impressão precipitada.
Arquitetura megalomaníaca
A orla é uma verdadeira exposição de grandes construções. Os prédios debruçados sobre a água assumem as formas de flores, torres e esferas, ostentam paredões de vidro e esqueletos metálicos e equilibram helipontos, restaurantes e até piscinas nas alturas.
Arranha-céus tão colados uns aos outros que seria possível passar uma xícara de açúcar para o vizinho de janela formam um paredão de vidro e concreto à beira do rio. Estes gigantes competem em estilo e porte. Fincado à beira do rio, o Marina Bay Sands é um exemplo.
O hotel-cassino custou cerca de US$ 8 bilhões, bateu a altura da Torre Eiffel e empatou com ela no quesito prestígio: hoje é um dos cartões-postais da ilha. Seus 2.561 quartos, o shopping de 300 lojas, as 500 mesas de jogos, os 1.600 caça-níqueis e os sete restaurantes são de chamar atenção, mas a fama vem mesmo é do SkyPark, uma plataforma de 340 metros de comprimento que descansa sobre as três torres da construção e põe o “pezinho” para fora no extremo norte, deixando 67 metros suspensos sobre o nada. Quem vê esse “trampolim” de baixo se assusta. Do alto, a vista é mais impressionante ainda, especialmente pela piscina privativa que descansa no meio da plataforma.
De lá, dá para avistar a mais alta roda-gigante do planeta. Maior que a London Eye, a Singapore Flyer tem 165 metros de altura, conta com 28 cabines do tamanho de um ônibus urbano e leva 30 minutos para completar cada volta. A matemática explica a beleza desses gigantes: a visão da roda para o hotel ou do hotel para a roda mostra que a ordem dos fatores não altera o encantamento.
Abaixo do Marina Sands, uma estrutura com visual cibernético em formato de flor de lótus abriga o ArtScience Museum, que faz jus ao nome: mescla ciência e arte com exposições variadas. Na margem oposta, uma estátua de 8 metros do Merlion, uma figura mítica, metade peixe, metade leão, símbolo nacional de Cingapura, repousa sobre a margem e espirra um jato d’água, intermitente, que desenha um arco no céu.
As construções que sucedem-se à beira do Rio Cingapura também podem ser apreciadas em passeios de barco. As embarcações turísticas navegam ao longo da orla e revelam endereços imperdíveis pelo caminho. O Esplanade é um complexo cultural esférico, desenhado à semelhança da durian, fruta que tem um quê da jaca brasileira. O espaço recebe concertos, shows e exposições, e congrega shopping e uma série de restaurantes. O elegante prédio neoclássico do Hotel Fullerton também dificilmente passa despercebido, e uma estátua em homenagem ao britânico Sir Thomas Stanford Haffles, colonizador de Cingapura, sinaliza o local de sua chegada ao arquipélago.
Mas a surpresa mesmo surge em uma curva do rio: o Boat Quay, um velho cais, renovado no fim dos anos de 1980 e tomado por bares e casas noturnas. Uma curva à frente, ele rivaliza com outro antigo cais, o Clarke Quay, onde uma sequência de armazéns, reformados e pintados com cores vibrantes, hoje fazem as vezes de shoppings e restaurantes e ganham vida ao anoitecer, quando recebem iluminação especial.
Três em um
As construções que desfilam ao longo do Rio Cingapura fixam o país na memória dos estrangeiros como um oásis de pujança econômica e arquitetura arrojada. Mas não se deixe enganar por estes megaempreendimentos: apesar desse skyline uniforme e ocidentalizado, a população por ali não é nada homogênea. Chineses, malaios e indianos dividem espaço no arquipélago, e cada um mantém seus respectivos bairros.
A Chinatown ali não é muito diferente das outras vizinhanças chinesas espalhadas mundo afora: fachadas cobertas por ideogramas, portais pintados de vermelho-cereja e uma profusão de restaurantes e lojas de quinquilharias não deixam dúvida de onde você está. Casarões com telhados voltados para o céu e templos budistas só reforçam a impressão de estar dando um pulinho na China.
A sensação de imersão completa em outra cultura se repete nas ruas movimentadas de Little India. Diante de ruas cercadas por shophouses, sobrados rústicos e coloridos (que guardam lojas, mercados e consultórios no térreo e residências no segundo piso), os espigões e torres espelhadas do centro financeiro parecem pertencer a outra realidade. Os ouvidos só confirmam o que os olhos deduzem: as mulheres de sári e os homens de camisa de linho que movimentam o bairro indiano conversam entre si em tâmil, um dos idiomas falados na Índia.
Depois de flanar por essa Cingapura que os cartões-postais não mostram, algumas paradas pontuais complementam o passeio, seja para conhecer o belíssimo templo hindu Sri Srinivasa Perumal ou para fazer compras no Mustafá Center.
Aberto 24 horas, o imenso prédio de esquina é conhecido especialmente pela oferta de eletrônicos, mas vende de tudo. Mesmo. Pode-se levar para casa um estoque de especiarias indianas, um conjunto de roupas de ginástica, equipamento cirúrgico ou móveis para o jardim. Difícil é encontrar cada uma dessas coisas: a loja tem quatro andares e 130 cômodos. Cerca da 75 mil itens preenchem as prateleiras.
É bom prestar atenção ao relógio, caso contrário não sobra tempo para conhecer Kampong Glam. Ao ser desenhada no mapa, nos idos dos anos de 1920, a vizinhança, a 3,5 km de Little India, foi concebida para receber imigrantes árabes. Contudo, os únicos lembretes dessas origens são as mesquitas que enfeitam a paisagem. Hoje, esse é o rincão dos malaios e tem seu epicentro na Arab Street, calçadão arborizado ladeado por lojas e cafés dos dois lados e fácil de encontrar: basta procurar no horizonte o desenho dourado da principal mesquita, a Sultão, ponto de referência para caminhar pela região.
Esse trecho foi retirado da revista Viaje Mais, seção Exótico, edição 140.