Os sabores e as tradições são mais portuguesas no Alentejo

Autor e fotos: Tales Azzi –

 

O Rio Tejo, o maior de Portugal, vem do norte e  deságua no Atlântico bem ao lado de Lisboa. É uma região chamada de Vale do Tejo. O que está mais a leste, além deste vale, é o Alentejo. Óbvio assim, bem ao estilo português. O que não é nada óbvio é viajar para lá. O destino, por enquanto, ainda não foi descoberto pela maior parte dos turistas brasileiros. Os que viajam para a terra de Camões circulam geralmente no eixo norte-sul, de Lisboa ao Porto. Mal sabem o que estão perdendo.

Vinhos premiados envelhecem na “cave-tesouro” da Herdade do Esporão, em Reguengos de Monsaraz: a bebida é um dos grandes símbolos alentejanos

O Alentejo é uma região de pai­sagens serenas, planícies vastas e morros de inclinação suave, forra­da de vinícolas, campos de oliveiras e encantadores vilarejos medievais amuralhados. Trata-se da maior província de Portugal, ocu­pando um terço de todo o território do país. Contudo, é a mais desabitada tam­bém, reunindo apenas 5% da po­pulação portuguesa.

Rico em história, o Alentejo já es­­­teve nas mãos de romanos há dois milênios. Depois foi ocupada por vi­­si­godos e mouros, até ser finalmente conquistada pelos cris­tãos, que unificaram o reino por­tuguês no século 12. Cada um desses povos dei­­xou heranças marcantes na ar­qui­­­­­tetura e nos costu­mes das cidades da região, quase todas bem pequenas, com média de 10 mil habitantes apenas.

Para os portugueses, o Alentejo é um lugar para apreciar a vi­da do campo. Pode ser mesmo. O grande es­critor lu­sitano José Saramago (1922-2010) encantou-se com o clima bucólico da região quando fez um grande ro­teiro por Por­­tugal no fim da dé­cada de 1980, que inspirou o livro Viagem a Portugal. Num trecho, ele descreve o que viu lá. “Quando o viajante acordou e abriu a janela do quarto, o mundo estava criado. Era cedo, ainda vinha longe o sol. Nenhum lugar pode ser mais serenamente belo, nenhum o será com meios mais comuns, ter­ra larga, ár­vo­res, silêncio”.

À parte a história milenar e as paisagens, a fama do Alentejo estende-se à gastronomia, repleta de apetitosas espe­ci­a­lidades regionais, entre elas diver­sos produtos com selo de denominação de origem: azeites, embuti­dos, queijos de leite de ove­lha, vinhos… Comer é um prazer levado muito a sério na região e faz parte da tradição local passar horas à mesa em qual­quer refeição. Tanto que muitos restaurantes seguem o slow food, movi­mento criado na Itália em 1986, que valoriza os ingredientes locais, a sazonalidade dos alimentos e a confraternização em torno da mesa.

Por tudo isso, uma viagem ao Alentejo desenrola-se em rit­mo lento, sem correria nos passeios, maratona de atividades ou entra e sai de ônibus de excu­rsão. Até por­que não existe turismo de massa na região: não há filas nos restaurantes e as belas igre­jas barrocas ainda são mais fre­quen­tadas por fiéis e beatas do que por turistas com má­quinas fotográficas em punho.

 

Romanos e cristãos em Évora
A principal porta pa­ra descobrir os encantos do Alentejo é a cidade de Évora, a pouco mais de uma hora de carro de Lisboa seguindo pela autopista A2. É a maior cidade da região, com 55 mil habitantes. Considerada Patrimônio da Hu­ma­­nidade pela Unesco, é dona de uma arquitetura única, com tem­plos e casarões que misturam ele­men­tos de estilo mouro e manu­elino.

A arquitetura que junta construções dos estilos mouro e manuelino dão o tom de Évora

Tanto quanto esse tesouro, im­pressiona o visitante uma persis­tente sensação de “volta à Idade Média”, uma vez que Évora é cer­cada por muralhas e exibe um centro histórico que se impõe no al­to de uma colina.

O apogeu local se deu entre os séculos 14 e 16, quando a cidade foi o centro da corte portuguesa. Era a época da dinastia dos Avis. Os reis cristãos mandaram erguer grandes construções, como a Cate­dral da Sé e o Pa­lá­cio de Cadaval, e patrocina­ram a vinda de artistas da Itália – na época em ebulição com o renas­cimento cultural da Europa – e de professores de Sala­manca, Espanha, para lecionar na uni­versidade ali fundada em 1553, uma das mais antigas do mundo.

O Templo de Diana é um dos vestígios da dominação romana em Évora, cidade considerada Patrimônio da Humanidade pela Unesco

Uma caminhada por lá sempre irá incluir o Templo de Diana – um belo conjunto de ruínas romanas –, a Catedral da Sé, com um relicário de madeira que teria pedaços da cruz de Jesus Cristo, e a Igreja de São João Evangelista, dentro do Palácio de Cadaval. Esta última é considerada uma das mais belas igrejas privadas de Portugal.

A atração mais visitada, porém, é a Capela dos Ossos, cujas pare­des, colunas e altares são comple­tamen­te forradas por ossos hu­manos. A igrejinha foi construída no século 17 por frades francis­canos, que colocaram na entrada a categórica seguinte frase: “Nós ossos que aqui estamos pelos vos­sos esperamos”. É assustador e ao mesmo tempo irônico, já que o intuito da mensa­gem era provocar uma reflexão sobre a morte e a transitoriedade da vida.

Paisagens serenas, forradas de oliveiras, parreirais e sobreiros, árvore da qual se extrai a cortiça, dominam a paisagem do Alentejo

Açordas e Migas

Évora costuma ser um passeio bem popular para quem está em Lisboa. Mas um só dia é pouco tempo para que se tenha uma ideia mais completa da cidade, charmosa o bastante para prender a atenção por dois dias inteiros ou mais.

Além disso, só quem permanece mais tempo pode apreciar a riqueza da gastronomia alentejana, que se vale dos azeites, vinhos e queijos, bem como das receitas clássicas de açordas, migas, carnes de caça e de seus famosos doces conventuais.

Por conta dessa heran­ça culiná­ria, Évora é perfeita para desace­lerar nas horas das refeições, que por ali funcionam como um ritual de fartura. A “celebração” começa com os petiscos, tão tra­dicionais no Alentejo quanto as tapas na Espanha. Eles são servidos sempre em pratos pequenos para os co­mensais com­partilharem, fa­zendo companhia ao pires com azeite e sal, onde se mergulha o pão ca­seiro. O melhor desses tira-gos­tos é o queijo aman­teigado de leite de ove­lha, tão cremoso e macio que é pre­ciso pegar com uma colher.

O pão, por sua vez, é mais do que um acompa­nha­men­to dos pe­tiscos e vai parar na açor­da, sopa portuguesa que pode levar peixes, porco, bacalhau e muitos outros ingredientes e temperos. O pão também integra a receita da miga, que tem a consistência de purê e é preparada, geralmente, à base de tomates, couve-flor, bacalhau ou aspargos verdes.

Entre as carnes, há pouca oferta de carne bovina. Os cardápios trazem mais a carne de porco (servida com migas, é um clássico local) e as de caça, com as quais se faz pratos como risoto de lebre e sopa de perdiz temperadas com ervas.

 

Esse trecho foi retirado da revista Viaje Mais, seção Europa, edição 140.

 

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