Manias para viajar de avião

“Sabe, eu rodo tanto pelo mundo que tenho uma mania ao viajar de avião”, disse-me o passageiro que sentava ao meu lado durante um voo. Ele é desses viajados, com mais de um milhão de pontos em programa de milhagem. Vidrado em aviação, compra a passagem com base no modelo da aeronave em que quer voar e paga o preço que for para reservar o assento que deseja. Na realidade, não faz a mínima diferença se é um turista que já saiu do Brasil centenas de vezes ou se é um que está na segunda ou terceira jornada. Todo mundo tem uma mania quando se trata de andar nesse grandalhão voador.

Tudo começa já no check-in, quando o atendente questiona se a preferência é por janela ou corredor. Seja qual for a parte do globo, pode ser em Washington ou Bangladesh, a tal pergunta é feita como se o anormal fosse não ter uma predileção. E os motivos para selecionar esta e não aquela outra poltrona podem ser esdrúxulos.

Enquanto uns escolhem ir ao lado da janela pelo simples fato de poder mirar do alto o cenário que ainda será desbravado, um outro, mais medroso, prefere esse assento para se sentir seguro acompanhando a quantidade de nuvens, a visibilidade do piloto e os movimentos da aeronave. Já eu faço parte do grupo dos que preferem a poltrona próxima do corredor. O motivo é que assim tenho espaço em um dos lados para viajar por horas na posição que é minha mania: sentar com as pernas cruzadas, estilo “perna de índio”. Quanto à cadeira do meio… bem, essa nunca vi ser a escolha de ninguém. Então, o coitado para o qual restou voar nesse lugar diz que, por estar prejudicado, uma etiqueta aérea para bom comportamento em pleno ar manda que ele ao menos possa ficar com os dois apoios de braços.

Todos acomodados em seus assentos, vem então o momento da decolagem. Aí há os senhores que fazem o sinal da cruz, os jovens que fecham os olhos e repetem mantras e os que apelam e tomam um comprimido que dê sono. Outros, seja onze horas da noite ou oito da manhã, já estão com duas ou três taças de vinho no estômago, e só viajam assim – “é para dormir logo”, explicam antes que pensemos que a bebedeira faz parte do dia a dia. As técnicas de cada um para fazer dez, onze ou doze horas passarem voando, com perdão do trocadilho, parecem ter sido meticulosamente elaboradas.

Muita gente se sente incomodada só de pensar que está trancafiada ali, sem contato com o mundo externo. Entre ver o copo meio vazio e meio cheio, sou dessa segunda opção. Aquela estreita e desconfortável poltrona é capaz de prover um prazer único: a sensação de, enfim, estar a sós. O telefone não tocará e nem apitará intermitantemente ao receber mensagens, não haverá novos e-mails para serem checados e nem surgirão afazeres, de lavar a louça a marcar um médico. Ao menos uma vez, nada nem ninguém conseguirá interromper meu filme, a leitura do meu livro e das minhas anotações e o meu estudo de idiomas. O entusiasmo é tamanho que faço tudo isso e mais um pouco: vou das tarefas estritamente necessárias a besteirinhas como deletar fotos da câmera e assistir a vídeos no celular.

O deleite de fazer tudo o que necessito sem ser incomodada dura só algumas horas. Até o avião pousar. Esse é o momento em que os supersticiosos mais uma vez fazem o sinal da cruz e os ansiosos se levantam logo. Eu estava na turma dos que esperavam o desembarque sentados, quando aquele passageiro falante, de novo, puxou conversa: “ufa, finalmente, em terra firme, né?”. Concordei para não causar discórdia com o desconhecido, mas, no fundo, eu estaria muito bem por mais algumas horas no ar. Cada qual com sua mania.

Por Roberto Araújo

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