Sou de família mineira e, por isso, cresci acostumado a entender o mineirês, o idioma falado em Minas Gerais. Graças a meus pais e avós compreendi, desde muito cedo, que as palavras podem ser cortadas e emendadas umas às outras sem perda do sentido, como em dibaidacama (debaixo da cama), sapassado (sábado passado)e jeinium(de jeito nenhum). Há quem diga que o mineiro sonega as palavras para economizar, o que muito convém a um povo considerado pão-duro, que vive pobre para morrer rico. Mas eu só fui entender a lógica do mineirês em uma recente visita a Santana dos Montes, uma pequena cidade a um par de horas de carro de Belo Horizonte. Na ocasião, tive dois dedos de prosa com o lingüista Rodrigo Nogueira, que me apresentou às minúncias do idioma falado entre os morros de Minas Gerais.
Nogueira explicou que diminuir as palavras e cortar sílabas vem dos tempos do ciclo do ouro, no século 17. Falar comendo as letras era uma forma de evitar que terceiros pudessem ouvir e entender as conversas alheias. A regra, naquele tempo, era passar despercebido e despistar a atenção do fisco português, sempre de olho nas riquezas de todo mundo. Vem daí também o hábito mineiro de fazer-se de humilde, não contar vantagem e reduzir o valor de seus pertences. Até hoje é assim. Se você perguntar para um mineiro com que ele trabalha, mandando um “cê mexe com quê?”, em bom mineirês, poderá ouvir como resposta algo do tipo “tenho lá um gadim e umas terrinha”. Na realidade, são cinco mil cabeças de gado em um megalatifúndio, mas para que fazer alarde?
Seria por causa desse comportamento, aliás, que vem o uso (e abuso) dos diminutivos, principalmente ao oferecer coisas. “Vai um cafezin? Um quejin? Uma tacinha de vin?”. É até bem simpatiquinho da parte deles. Há uma regra de construção do diminutivo mineiro: é preciso suprimir o final “HO”, como em torresmin, sapatin… O mesmo não acontece com as palavras femininas: pedrinha, frutinha, casinha… Essas não mudam a grafia.
Já outras palavras que todo mundo pensa ser gíria de capiau da roça são, na realidade, palavras do português arcaico que permaneceram ao longo dos tempos devido ao isolamento que mergulharam muitas cidades mineiras após o fim do ciclo do ouro. É o caso da popularíssima palavra “trem”, que além de meio de transporte sobre trilhos pode significar “coisa ou objeto”. “Que trem doido é esse?”, dizem os mineiros, fazendo uso da antiga palavra “terem”, do português arcaico.
Sem falar nos ditados populares. Nenhum outro povo no Brasil usa tantos provérbios no dia-a-dia quanto os mineiros. Por isso não estranhe se um mineiro falar que “dorme com um olho aberto e outro fechado”. Quer dizer apenas que o sujeito é atento, desconfiado e muito provavelmente segue o princípio de que é preciso escutar antes de falar. Afinal, quem fala muito dá bom dia a cavalo.
Após anos e anos pesquisando palavras e ditos populares, Rodrigo Nogueira traçou uma espécie de etimologia do mineirês e escreveu tudo no livro “Que Diabo é Esse Trem?”, uma publicação independente que ele vende apenas em sua fazendinha lá na pequeninha Santana dos Montes. Quando eu vi o livro comentei com ele: “Que trabalho brilhante!”. E a resposta: “Que nada, sô, é só umas coisinha que fui anotano por aí”.
Por Tales Azzi